sexta-feira, 5 de setembro de 2008

.. promise..

Posso percorrer outros corpos
vaguear pela Cidade, desfilar
e dançar ao ritmo de outra música
e de outras vozes.
Posso beijar outros lábios, outros rostos, outros corpos
Mas é nos teus braços que quero adormecer
Sempre

sábado, 12 de julho de 2008

[Prophecy]

Percorro o teu corpo, enquanto dormes.
No silêncio meigo da Noite.
Invado-o na cumplicidade do teu sono.
Diluo a minha mão na tua pele.
Um mapa que conhecerei de cor.
Com os dedos, desenho o nosso caminho de retorno.
Com os lábios, escrevo o meu nome no teu corpo, escondido, onde nunca o verás.
Olho-te, submerso no sonho, quase ausente, encolhido no algodão protector do lençol e da almofada, que abraças como se fosse o meu corpo.
Enveneno-te com os lábios e saliva, com sabor a maçã e o doce sabor da esperança no sossego da ousadia.
Dormes.
Como um Anjo.
O Meu Anjo.
Beijo-te o rosto como asas de borboleta numa flor.
Mexes-te milimetricamente. Quase um sorriso.
A tua mão procura-me como num deserto. Encontras-me. Sempre.
Enveneno o teu corpo com o meu perfume.
Enveneno-te com o meu amor. Um perfume doce e intenso. [Fatal].
Diluo o veneno na tua pele, embebedando o teu corpo, delicadamente, como uma Profecia, a pele, os ossos e a Alma.
Escrevo na palma da tua mão o segredo do Antídoto, que nunca lerás, e sei então que és meu para sempre.

domingo, 6 de julho de 2008

Réplicas.

Sufoco. Angústia. Renúncia. Negro. O vestido de seda e veludo. Negro. O eterno retorno. O erro. Um anjo. A morte. O amor. A dúvida. E a única certeza. As asas que rastejam. Um dia de cada vez. As mangas apertadas. O punho fechado. O fim. A minha mão. E a tua. O poder. A música. O negro. Sensação de euforia. Poder. E infinito. Somos os dois no limite do mundo. Estarei lá mesmo que não me sigas. Estarei mesmo que não caminhes lado a lado comigo. Na mesma direcção. Sou a Rainha da arrogância. A Imperatriz de gelo. Sob o vestido negro de seda. Ódio. Preponderância. E o amor violento das guerreiras da morte. Essa lua poderosa e mágica, fatal e ignóbil. Sou a Imperatriz da morte. A Medusa de cabelos escuros, serpentes implacáveis e repletas de veneno.

(Sem Título 0.1)

Fala-me hoje. No meio da multidão. Nesse teu modo invisível de fingir que estamos sozinhos. No meio da multidão. Que nos observa. Que não nos vê. Que nos sorri. Porque somos um prolongamento dessa multidão. Ali estamos nós, no abismo da multidão, os dois. Indiferentes ao movimento e ao barulho. Animados com conversas banais. Animados no conforto da superficialidade. Tentando encenar um ao outro as personagens que somos fora dali. Da multidão. Não sorris. Intencionalmente. É a tua forma de não fugir dali. De ficar. Já mo disseste. Lembras-te? Finges não me ver porque sabes que te vou procurar se não vieres. Olhas para mim com uma expressão de espanto ou de indiferença como se não me tivesses visto ainda. Finjo que acredito e não sei de nada. Fico ali, junto a ti. Perdemo-nos com conversas banais, denunciando, em códigos, o que aconteceu nos dias em que não estivemos juntos. Ficaria ali, o dia inteiro contigo. Entre conversas banais.

terça-feira, 1 de julho de 2008

[Imaginary sin]

A sensação do corpo embalado por tecido de seda e veludo invadia-a, num ritmo de ondas do mar num dia de tempestade. O mar salgado dentro do próprio corpo, diluído na pele como se ela fosse uma ostra que só respira debaixo de água. Os cabelos a cairem sobre as costas nuas, como algas escuras a serpentear, no êxtase do momento, qual Medusa. Serpenteavam no limite da sensatez. O corpo dele deitado no chão, um prolongamento que a unia e afastava da Terra. As paredes vigiavam-nos no pecado imaginário da luxúria.

quinta-feira, 12 de junho de 2008

Prólogo (MMV)

Às vezes perguntavas-me o que tinha... tinhas medo... eu também... um silêncio de medo que nos brindou com uma despedida, um falso adeus... um dia as lágrimas que me entregaste encheram-te de força e voltaste, para me assustar ou para ouvir que senti a tua falta, em palavras que nunca te direi, que nunca deixei de esperar por ti. Bateste à porta com o mesmo desdém de um anjo sem asas, porque tinhas prometido voltar e voltaste... não sei porquê ou para quê, mas voltaste... já não és o mesmo, aos meus olhos, trazes as asas, que outrora me abraçavam e protegiam, sujas de luxúria, o rosto, que segurava entre as minhas mãos cheia de ternura, coberto de sombras que não são tuas e o olhar fixo não sei onde, os lábios rasgados de vaidade e as mãos, a que chamava só minhas, manchadas de outros corpos... mas voltaste...

Carta II (MMV)

Sinto a tua falta, d.
Refugio-me em ti quando me sinto vazia, porque és o meu sonho mais bonito, porque em ti adormeço e renasço, porque em ti me senti viva....
A vida é breve demais para perdê-la e perco-a todos os dias um bocadinho, como te perdia um bocadinho todos os dias que passamos juntos..
E nunca mais é tempo demais d. ... o teu silêncio voltou a sufocar-me.. perco-me em mim e não me encontro.. sento-me no chão do quarto onde nunca estiveste e relembro o verão que nunca passamos juntos e as histórias que imaginavas para nós, passeios e viagens que nunca fizemos.. o tempo foge-nos, d., fugiu-nos, perdi-me, perdi-te, dois anos e meio passaram tão depressa.. nunca mais te vi.. ainda bem, penso eu, se te visse acho que morreria outra vez.
Fomos embora cedo demais.. não tivemos tempo de dizer adeus um ao outro.. não me deixaste despedir de ti, porque dizias voltar.. talvez porque ainda voltes.. talvez um dia ainda nos encontremos para dizer adeus um ao outro..
Esta noite voltei a sonhar contigo e a acordar sufocada e triste.. não estás aqui.. nunca mais estarás..
“Quantas coisas perdemos com medo de as perder..”- disseram-me um dia.. a ti, d., perdi com o pânico de te perder.. é sempre o medo que nos atraiçoa, que nos devolve a solidão.. e a solidão só me devolve sonhos que se tornam pesadelos. Nunca mais quero sonhar contigo porque viajo para um tempo que já não existe, porque me perco e é tão difícil voltar a encontrar-me de novo. Todos os dias te esqueço e construo um bocadinho de mim sem ti.. e de noite os sonhos trazem-te de volta, numa irrealidade cruel.
Escrevo-te tudo o que nunca te disse, não sei porquê, não sei porque não te dizia, não tinha tempo talvez, consumíamos os segundos que estavamos juntos.. porque o tempo voa, nunca fizemos tantas coisas que combinamos juntos, porque o tempo era todo devorado apenas para estarmos ao pé um do outro.. dedicávamos o tempo livre para ficarmos só os dois.. talvez porque adivinhávamos que tudo seria efémero, que em tão pouco tempo nos beijávamos pela última vez à porta da tua casa, para nunca mais nos voltarmos a ver... fiquei para sempre com o sabor salgado dos teus lábios cheios de lágrimas... e tu?

Carta I (MMV)

O mundo já não é como o sonhámos, já não tens o cabelo cheio de estrelas e já não somos o menino e a menina mais lindos do mundo, já não somos um do outro, já não nos amamos mais um ao outro.
Eu destruí o nosso amor e posso gritar isso quando quiser porque a loucura apodera-se de mim e sinto-me de novo a tua princesa vestida de negro, quem tu sempre sonhaste.
A tristeza arranca-me a minha máscara de seda cor-de-rosa, seda carmim e plástica e devolve-me ao que fomos, ao que sempre fui, porque loucura é fingir ser alguém que não somos e querer fugir do sangue que só pulsiona vida nas minhas veias e embebeda o corpo que um dia foi teu. E será para sempre, meu amor, porque és e serás o meu anjo.
E contra tudo e todos, d., acredito em ti, tarde demais mas acredito. Acredito nas tuas palavras, nos teus gestos, na tua voz, nas tuas lágrimas... acredito em ti, meu amor, nos teus abraços, no teu olhar, nos teus beijos, no teu toque, no teu corpo, no teu calor, ... acredito em ti, mais que tudo, porque eras o sangue que alimentava a minha vida, que erguia as minhas asas bem alto e me fazia o teu anjo... o anjo mudo... anjo que nunca soube ser...
Perdoa-me d. por todas as vezes que tornei os teus dias pesados, por todas as lágrimas que te fiz derramar, a ti, cujo sorriso iluminaria qualquer das minhas tristezas.. perdoa-me meu amor pelas palavras cruéis ditas sem sentimento, perdoa-me a falta de coragem e a nenhuma compaixão.. perdoa-me os abraços que nunca te dei quando me imploravas perdão por uma culpa que não era tua.. só minha... perdoa-me o destino cruel que dei ao teu sonho mais bonito.. perdoa-me as minhas asas não te terem amparado quando começaste a cair..
Tenho encenado personagens diversas, caminhado por cenários imensos, tenho tentado ensinar a minha alma a perdoar-me, tenho tentado dizer-lhe que o seu anjo não voltará mais, que não mais abrirá os olhos e verá à sua frente o teu rosto.. porque tudo se dissipou.. porque ao contrário do que te dizia em noites de mágica alucinação, o tempo existe e rouba-nos as coisas mais bonitas que temos.
Já não acordaremos mais com os dedos entrelaçados, não acariciarei mais os teus cabelos nem te segredarei mais que és o meu cavaleiro, o meu príncipe, meu amor, porque já não estás aqui..

Epílogo (MMII)

"És a minha fada! A minha espada mágica* (...) Amo-te, aqui, agora e para sempre!"

"És e serás o meu anjo o meu cavaleiro o meu sonho o meu véu. És o meu espelho interior. Só tu me podes ver e ouvir..."

segunda-feira, 19 de maio de 2008

XVII/V/MMV

Sou o teu anjo de asas invisíveis
Sou a imperatriz de gelo, arrogante e intocável

Sou a tua fada mágica, que inventa o teu sorriso em cada olhar escondido
Sou a praia numa noite de primavera cuja areia são as mãos que apertas nas tuas
Sou o vento que te beija os olhos
Sou o cálice de vinho que te concede a ilucidez de ser livre
Sou o ar que devoras quando explodes nas minhas mãos sempre que te toco
Sou o vulto que invade os teus sonhos e te devolve ao inconsciente
Sou o espelho que te reflecte
Sou o silêncio que te completa
Sou a água que te afoga em cada abraço
Sou a tua viagem sem retorno
Sou o teu sonho mais bonito
Sou a tua espada
Sou o teu sangue
Sou o teu anjo imaginado, impossível e eterno
Sou a morte que te devolve à vida
Sou o frio que te arrepia
Sou a lua que te encontra
... só tua

Rasgos

Senta-te.
No chão.
Comigo.


Só isso.

Inventa-nos. Desta vez, inventa-nos.
Inventa-me. Rasga-me a pele. Dissolve-me em ti. Devolve-me. A mim.

Perde-me. E procura-me. Inventa-me. Desenha-me na tua solidão desesperada e altiva.

Encontra-me. Aqui.

Senta-te comigo no chão.
Ao meu lado.

Só isso.

quinta-feira, 8 de maio de 2008

Rascunho do teu rosto

Não estás aqui
(alguma vez estiveste?)

Pinto-te nas paredes, nos corredores escuros, nas sombras ténues de uma luz estéril

Revejo-te noutros rostos, vultos que passam

Invento-te nas horas

Espero-te
(sei que hoje não virás)

Segundos... Horas
(Horas mais longas que as reais)

Revejo-te em 7 segundos
(foram mesmo 7 segundos?)

Desenho o teu corpo nas minhas mãos, tímido e ansioso, cansado

7 segundos

Pousado nas minhas mãos com um anjo numa nuvem

Segundos ilusórios, o silêncio, o olhar e o sigilo

Ninguém nos viu
(Na verdade, eu também não tenho a certeza de te ter visto. Não soube
ouvir o que o teu olhar sussurrava naquele silêncio. As tuas mãos
eram como asas pousadas no meu rosto. Querias que olhasse para ti.
Querias olhar para mim - ver-me? Era tudo.)

Um traço de tinta com que pintei um quadro com aquelas cores.

Como sempre, pintei-te nos espaços brancos - os que mais gosto.

Fui-me embora. VOltei. Estou de novo entre as paredes onde te revejo.

Desta vez, estou só. Mais fraca. Não sorrio.

Sei que voltas. Amanhã ou depois. Em breve estarás cá novamente.

Voltarás.

Só não sei se serás o mesmo. Mesmo tu.

domingo, 20 de abril de 2008

P.S. Nunca mais é tempo demais

É meia-noite e tal, estamos quase em Maio - há três anos e tal que te conheci - a estação do ano de que mais gosto, é de noite e, como sempre, ainda não tenho sono. Estou cansada, é só. É meia-noite e tal, quase uma da manhã, desisto definitivamente de esperar por ti.
Não me posso despedir de ti, nem sequer um "boa noite*", porque não estás aqui, despeço-me de ti porque desisto e não preciso dizer-to, há muito que sabias que seria assim.
Falaremos ainda algumas vezes, talvez, por hábito apenas. Entre nós, ficam apenas vagas imagens desfocadas e mal fotografadas e uma indiferença cruel.

"Até amanhã." - como costumas dizer, sabendo que esse "amanhã" já não existe mais.

terça-feira, 15 de abril de 2008

Pausa inter-relato

Roubam-nos a voz.
Roubam-nos o corpo.
Roubam-nos a primazia alegórica.
Rasgam-nos a roupa, a máscara e o véu.
Sugam-nos até ao eco dos ossos.

domingo, 6 de abril de 2008

Perdas de tempo

Fechar as portas. Para sempre. A tudo e todos. A sangrar da boca. Os lábios encarnados, decorados com um fio de sangue. Por dentro também. Uma hemorragia interna. As pessoas mentem. Muito. Os ossos como a desfazerem-se (se calhar é só impressão, não houve fracturas). Até que ponto o que os outros inventam sobre nós nos atinge? Só se lhes abrirmos alguma porta. A sensação de asfixia. Talvez uma situação de esmagamento interno. Uma rede de intrigas, invejas, falhas, desconexões e vazios. O peixe que lá entrar ou torna-se tubarão ou é morto por eles. Um golpe abaixo dos pulmões, a pele rasgada e um fio de sangue a deambular pelo corpo. Os tubarões amam sangue. Fechar a porta e ficar offline para sempre. Não há fracturas expostas. A pulsação está quase normalizada. A tensão arterial abaixo do normal. Um peixe perdido no mar. Mentiras. São dotadas de um egoismo preferencial. Não é só isso. É o deserto interior, a inveja e a ignorância. Olhos fechados. O lábio inferior com marcas de sangue. Antes do choque, mordia o lábio. Talvez para conter o choro. Um (des)afecto involuntário. São estátuas de carne e osso encharcadas de cicuta como peixes no mar. Um mundo inabitável. Soro. Imobilizador. Agulhas. Desinfectante. Ligaduras. Algodão. Mentem. Inventam. Fazem intrigas. Porque são menores, pequenas, minúsculas. Porque o silêncio e o desprezo as faz sentirem-se ainda mais insignificantes. Falam porque pensam que o que dizem interessa a alguém. Todos? Não, só alguns. Algumas nódoas negras. Uma hemorragia a descobrir-se. Sem uma única palavra ou gesto. Diagnóstico: em coma. Fechar as portas. Para sempre. A tudo e todos (só alguns).

quinta-feira, 3 de abril de 2008

Labirinto de espelhos

"Era minha 'obrigação'."
Era?
TUA?
Obrigação?
Obrigação?!

A música chegou ao fim. Começa outra, uma música nova.

«Ela senta-se no chão, no meio de um labirinto de espelhos. As paredes invisíveis enfeitadas com fitas de origamis coloridos. Ele não está lá (Está mas ela não o consegue ver, nunca). Esconde-se, esconde-se do outro lado do espelho. Ela esconde-se. Mas ele também não a procura. Ela encolhe-se com os joelhos contra o peito, as mãos vincadas nas pernas até se formar uma imagem una, a sua imagem espalha-se pela sala como um origami colorido. Um origami. Uma gaiola de ferro de onde só se ouve um bater de asas desesperado. Ela espera. Não pode sair dali. Perdeu-se no labirinto de si própria. Custa-lhe respirar. Os pulmões contra o coração, apertados entre os joelhos e o abraço. Não quer que ninguém a oiça. Mais uma noite. Ele não virá outra vez. Se calhar também se perdeu. (Ele nunca se perderia, tem no mapa dos ossos milhares de setas. Nem sequer sabe o que é um labirinto).»


Não preciso da tua 'obrigação', um origami bem recortado em papel de seda chamado desprezo. Prefiro o teu silêncio.

quarta-feira, 2 de abril de 2008

Fragmentos da mais bonita (Ir)realidade

Tantas vezes as palavras cortavam laços entre nós e rasgavam véus invisíveis, um coração pintado de vermelho, como nas imagens reais, com suaves facadas de vergonha. No abismo da memória, as fotografias baralhavam-se como cartas de naipes diferentes, perderam-se no tempo e guardam-nos em livros e cadernos, fragmentos de momentos. Perdi as datas e os momentos especiais (quase todos) algures entre a tinta e o papel, algures dentro de mim, dentro de nós, porque ficariam para sempre. (Ficaram? Acho que sim). Já não os sei de cor, mas vejo-os, são o prelúdio e o fim desorganizados num fio de memória.
3 anos e o medo no que seria a melhor fotografia. É sempre o medo que nos atraiçoa.
Tantas vezes te dizia que as tuas palavras, por vezes, eram como flocos de gelo, tantas vezes não entendias. Agredias-me com flocos de neve, gritavas nessa tua forma inocente e doce, nesse teu silêncio sem rosto.
3 anos e histórias inventadas por gestos e sons. Sempre nos entendemos sem palavras ouvidas, mas há sempre um limite e o nosso espaço de mímica tornou-se num abismo. Entre um lado e o outro, cresce o silêncio e o vazio, a ausência e um fio de fumo a desaparecer ao longe. Somos nós, as nossas fotografias, as minhas e as tuas, as palavras e as músicas.
E nenhuma fotografia nos une no mesmo retrato...

segunda-feira, 31 de março de 2008

Excepção à regra

És uma menina mimada. Sempre foste. Sempre serás. Sempre te encontraste, nesse teu mundo pequeno, no umbigo da festa e vestes esse papel de estrela para que consigas brilhar (mesmo que seja por pouco tempo), para que olhem sempre sempre só na tua direcção, quando esse teu estrelato já só é imaginário. Já não és nem tão especial nem tão importante quanto te julgas, já não és uma menina pequena. Não suportas que te contrariem, quase nunca suportaste, não admites que haja vida para além desse teu planeta falsamente pintado de cor-de-rosa, encenas, fazes fitas, birras, teimosias de criança que já não és mas teimas em parecer, inventas cenários e pões em cena personagens que nunca lá estiveram, só para que olhem para ti, só para justificar as tuas falhas, tudo em volta de uma fragilidade encenada - não és assim tão "boa menina" como queres parecer, ninguém o é, és tão naturalmente desumana como todas as pessoas a quem apontas o dedo. Exibes tudo o que não tens dentro de ti, escondes, teatralizas, imitas, exageras, gritas sob a forma mascarada de uma criança que já não és, nem nunca foste, uma falsa afectividade, uma bondade e passividade que já não convence senão os rostos novos. Há sempre qualquer problema, há sempre uma desculpa, uma culpa (que nunca é tua). Tudo para continuares a ser o que nunca vais ser, mesmo que o egocentrismo te leve a roubar fragmentos de histórias de outros. São sempre repetições, colagens, fotografias roubadas a outras vidas. O mesmo ciclo... a confrontação, a insuportável sensação de que não és uma estrela, as mesmas reacções, viciadas e repetitivas, a agressividade (in)disfarçada entre jogos infantis, o mesmo ciclo... Aos poucos, a máscara vai-te desvendando, vai-se diluindo entre o apertar do cerco, do círculo que criaste para viver, e os lugares vazios em frente ao palco. Quando deixas de ouvir as palmas, volta tudo ao mesmo, as mesmas falas, as mesmas deixas para as pessoas que te estão próximas e que te mantêm no estrelato fictício. As mesmas que gostam de ti e te aplaudem. Uma voz diferente e o teatro começa, o mesmo ciclo...
As pessoas para ti são meras marionetas.


(apesar de não mereceres já, hoje apeteceu-me ser sincera)

sábado, 29 de março de 2008

Conversas banais (excerto um)

"Que flor tão linda...!"
"Só vais dizer isso?"
"Não tenho nada para dizer... já te disse tudo... Olha..."
"Hmm."
"Faz-me um desenho no umbigo."
"O que queres que desenhe?"
"Uma rosa."
"Como a que te dei?"
"Não... outra, negra, tu sabes..."
"A negro... ok, deita-te aí. Vou escolher a caneta."
"Desenha a rosa mais imperfeita de todas e a mais bonita. Aqui, ao pé do umbigo."
"Aqui?"
"Sim."
"Desabotoa as calças. Vou buscar água, venho já."
"Não."
"Estás com vergonha?"
"Sim..."
"Oh, porquê?"
"Porque sim."
"Estás com medo?"
"Não. Porquê?"
"Estás a morder o lábio e a olhar para baixo."
"Estou chateada..."
"Comigo?"
"Não! Comigo..."
"Então?"
"A minha vida está um dominó, se cai uma peça, cai tudo."
"E qual é essa peça que não pode cair?"
"Tu."

terça-feira, 25 de março de 2008

O teu silêncio

Ouves esse silêncio entre o meu rosto e o teu? O silêncio entre nós... esse bater de asas presas, sufocado e perpetuado no vazio.
Ouves as nossas vozes entrelaçadas?
Ouves os nossos abraços eternos e invisíveis, as palavras cúmplices no medo da luz e da lucidez, feitos sons enfeitiçados?
Ouves o meu coração gritar, preso em fitas de cetim sempre que (pensava que) estavas ao meu lado?
Ouves a voz que nos embalava sempre que chorava ao teu lado, lágrimas feitas estrelas de um céu que inventavas para me acalmar, para te acalmares, para fugirmos?

(É o teu silêncio que hoje trago nas minhas mãos fechadas... como uma concha do mar... )

Ouves os nossos pés chapinharem num caminho cheio de fios de água salgada e os nossos dedos entrelaçados, as palmas das mãos unidas como uma concha que esconde um segredo?
Ouves esse segredo sussurrado numa promessa que nunca cumprimos?

Ouves?
... eu já não consigo ouvir nada senão o teu silêncio ensurdecedor.

segunda-feira, 24 de março de 2008

Os pés. Nus. No chão.

Os pés nus no chao. O espelho. No espelho, o reflexo dela. Ela estava nua em frente ao espelho, com os olhos imóveis e abertos, indiferentes, atentos, mortos ou ausentes. Os braços caídos ao longo do corpo, das curvas e dos recortes dos ossos. A pele muito clara, pálida. Entre as pernas, um fio de sangue vermelho vivo escorria a um ritmo sarcástico e demorado, contornando o traço magro e feminino do joelho e do tornozelo até ao pé nu. Serpenteando desenhos quase perfeitos, carmim, na brancura marmoreada da pele. Ele apareceu atrás dela e abraçou-a como se fosse sua, como se ela fosse de alguém, como se ela fosse Só sua. Apertou-a com força, marcando o próprio corpo no dela, pouco ausente do vazio que gritava dentro dela. Apertava-a para o calar. Apertava-a para a deixar respirar. Com as mãos no corpo dela como portas fechadas. (E) Os pés nus no chão.

domingo, 23 de março de 2008

Desenhos de memórias

Deitado, olhava para o tecto do quarto, branco, três estrelas fluorescentes numa das paredes, um estirador branco com folhas desenhadas com tinta da china, em cima, uma mesa com um computador desligado, um armário com a porta semi-aberta, uma prateleira com cds. No chão, a um canto, uma manta cor-de-laranja e 3 ou 4 almofadas coloridas, uns chinelos pretos e as botas que ela tinha calçado. Na cadeira, um casaco preto, uma t-shirt cor-de-rosa (há muito tempo que não a via vestida de cor-de-rosa, talvez desde criança). Uma estante cheia de livros, cujos títulos não conseguia ler com a escassa luz do quarto, um cheiro doce de perfume - o perfume dela, que ele absorvia e se entrelaçava em milhares de fios dentro de si.

(...)

"Imagina... estamos deitados na relva, à noite, numa floresta, com árvores muito altas à nossa volta, uma noite quente e a relva e as árvores protegiam-nos. Lá ao fundo, um lago, uma coruja a olhar para nós, a ver-nos, a guardar-nos, toda branca e com manchas cinzentas, de olhos amarelos. "

"Olha para nós porquê?"

"Olha para ti, porque és bonito. Tem um olho fechado e outro aberto."

"Sou bonito?"

"Muito."

sábado, 22 de março de 2008

Intro (inverso)

O silêncio desabava como sangue a escorrer pelas paredes. O quarto invadido de vozes e sombras, restos de memórias, desespero, imagens que ninguém queria ver, um grito mudo, sempre mudo no auge da violência.
Ela cedia, pela primeira vez, à violência do grito mudo.